Nesta coluna, Ana Paula Gallo, liderança da área de negócios para HR Tech Delivery na EY, explica por que o escudo protetor dos empregos tem perdido a força contra a IA. Confira!
Três robôs escrevendo na lousa
, colunista e First Mover
21 min
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7 jun 2023
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Atualizado: 7 jun 2023
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No que se refere aos impactos reais da evolução tecnológica sobre os empregos, até agora, o intervalo entre o lançamento e a adoção em larga escala de novas tecnologias tem atuado como um “Escudo Protetor”.
Fatores como investimento necessário, escassez de mão de obra interna e externa, complexidade da mudança de processos, investimentos já realizados em ativos, cenário econômico e cultura empresarial acabam por atrasar a adoção de novas tecnologias, protegendo o emprego.
Em 2023, países com alto grau de automação e uso de tecnologia apresentam baixas Taxas de Desemprego, como China (4,1%), EUA (3,83%), Coreia do Sul (3,65%), Japão (2,3%) e Alemanha (3,27%). As curvas de crescimento do IDH nesses países também demonstram uma melhoria significativa da qualidade de vida nas últimas décadas, mesmo com todo o avanço tecnológico ocorrido.
Com relação aos impactos potenciais, uma previsão do relatório The Potentially Large Effects of Artificial Intelligence on Economic Growth do Goldman Sachs, de março de 2023, chamou a atenção da mídia:
“Em uma extrapolação global, nossas estimativas sugerem que a IA generativa poderia expor o equivalente a 300 milhões de empregos à automação”.
A afirmação que veio imediatamente após não teve tanto destaque: “A boa notícia é que o deslocamento de trabalhadores pela automação foi historicamente compensado pela criação de novos empregos.”
Na mesma linha, no início de maio, a mídia divulgou que Arvind Krishna, CEO da IBM, afirmou que 30% da mão de obra não relacionada ao atendimento ao cliente poderia ser substituída pela IA em até 5 anos. Alguns dias depois, em uma Entrevista para CNBC, Krishna comentou que apenas parte do que ele havia dito foi destacada e que ele acredita que a IA irá criar mais empregos do que substituir.
Para cada nova tecnologia, surgem novas oportunidades para aqueles que as constroem, vendem, ensinam, operam, reparam ou se beneficiam delas. Também há aqueles que são prejudicados por elas, principalmente aqueles cuja fonte de renda está ligada a demandas de trabalho que não mais existirão.
Steve Jobs dizia que o que nos separava dos primatas é a nossa capacidade de construir ferramentas. Aprendemos a lascar pedras para criar pontas afiadas para caçar e, com a mesma técnica, aprendemos a fazer fogo. Com o fogo, aprendemos a fundir metais.
À medida que criamos ferramentas, somos impulsionados a desenvolver novas habilidades. Essa pressão evolutiva é um ciclo contínuo, resultado da capacidade humana de criar ferramentas capazes de expandir suas próprias competências.
Contudo, é importante perceber que este Escudo Protetor tem perdido força ao longo do tempo:
“Em 20 anos seguindo a internet, não nos lembramos de uma aceleração mais rápida em um aplicativo de internet do consumidor", disse Similarweb (Tradução livre). Essa é a grande mudança a ser observada com o rápido avanço da IA: o escudo está perdendo força!
A IA pode ser vista como uma disciplina que visa criar ferramentas capazes de reproduzir e/ou superar o comportamento humano. A IA inclui subáreas como:
GPT (Generative Pre-trained Transformer) é um modelo de linguagem desenvolvido pela OpenAI, um LLM (Large Language Model). É um sistema de Inteligência Artificial projetado para gerar respostas em linguagem natural para perguntas e solicitações dos usuários. Ele é treinado em uma grande quantidade de dados textuais para aprender padrões linguísticos e contextuais.
Já o ChatGPT permite o acesso ao modelo GPT através de uma interface de chat e que, futuramente, tem potencial para ser utilizada como um agente pessoal. Bill Gates alerta que:
“Quem ganhar o agente pessoal, esse é o grande lance, porque você nunca mais vai em um site de busca, nunca mais vai em um site de produtividade, nunca mais vai na Amazon”.
O conceito “Transformer” utilizado pelo GPT, foi introduzido em um artigo intitulado "Attention Is All You Need", publicado por um pesquisador do Google Brain (Ashish Vaswani) em junho de 2017. O modelo demonstrou excelente desempenho em uma variedade de tarefas superando muitos modelos anteriores que dependiam de arquiteturas mais complexas. Portanto, as conquistas atuais são fruto de décadas de pesquisa e evolução da IA. Não surgiram de repente.
Vale ressaltar que treinar estes modelos, além de exigir uma imensa e cara capacidade de processamento, o que tende a torná-los propriedade de grandes empresas, também exige milhares horas de trabalho de humanos, responsáveis por calibrar as respostas (Reinforcement Learning from Human Feedback) - Este tipo de emprego tem sido criticado visto a baixa remuneração e carga horária.
Uma Reportagem da TIME afirma que a OpenAI usou trabalhadores quenianos, pagando menos de 2 dólares por hora para tornar o ChatGPT menos tóxico.
O objetivo aqui é apenas destacar que, ao contrário da tradicional afirmação de que novas tecnologias exigirão mão de obra mais qualificada, no caso da IA, a mão de obra menos qualificada já é empregada em micro empregos e, quando a IA é utilizada como ferramenta, é capaz de tornar mais capazes aqueles menos qualificados, não existindo garantia de que vagas serão preenchidas necessariamente pelos mais preparados.
Assim como o ChatGPT da OpenAI, existem outros LLMs acessíveis através de uma interface simplificada, como o BARD do Google. Ambos são ferramentas e é necessário aprender a usá-las corretamente e conhecer suas aplicações, limitações, e seus impactos diretos no emprego.
O ChatGPT e o BARD têm como principal benefício o aumento de produtividade na busca por informações e na produção de textos sobre o que já é conhecido pelos seres humanos.
Os LLMs com certeza podem ser treinados com dados que representam visões parciais ou inadequadas, podendo serem utilizados para fins questionáveis, o que tem provocado reações no sentido de demonstrar os perigos por trás desta tecnologia e a necessidade urgente de regulação. Figuras como Elon Musk (Tesla e SpaceX), Geoffrey Hinton (ex-Google, conhecido como o “Padrinho da IA”) e até Sam Altman (OpenAI) tem defendido medidas contra o uso indiscriminado da IA.
Conceitualmente, a IA tem potencial para eliminar empregos, mas isso só se concretiza por meio das ferramentas que são lançadas, tendo cada ferramenta um impacto específico.
Embora as ferramentas disponíveis, em suas versões atuais, possam causar aumento de produtividade e isso acabe implicando em uma menor necessidade de mão de obra, os impactos reais ainda são localizados, em atividades específicas, ainda sem efeito nos índices de desemprego em maior escala.
Quanto a outras ferramentas disponíveis, é necessário avaliar o impacto real de cada uma delas em suas versões atuais. Quando abordamos versões futuras, voltamos para o campo conceitual e não real do impacto destas ferramentas.
O Midjourney (TEXT TO IMAGE), é capaz de gerar imagens incríveis baseadas em parâmetros informados pelos usuários, assim como o seu colega, o DALL-E. Alguém poderia dizer que eles têm potencial para substituir designers ou artistas plásticos, mas estaríamos novamente entrando no campo conceitual. Na prática, como qualquer ferramenta, é preciso saber usá-la e isso exige especialização. Extrair tudo o que estas ferramentas podem produzir exige muito aprendizado, conhecimento e dedicação.
O ChatGPT pode aumentar a produtividade de agências de marketing ao produzir sugestões de publicações. No entanto, ainda será necessário treiná-lo sobre as características de uma cultura empresarial específica, e isso ainda requer especialização. A utilização do modelo através de APIs (Application Programming Interface) não é tão acessível e exigirá maiores investimentos e amplas discussões de conformidade, segurança e propriedade intelectual. Você também pode produzir um livro com o ChatGPT e vendê-lo na Amazon, mas precisará orientar o ChatGPT sobre o conteúdo, solicitar ajustes, remover parágrafos, sugerir diferentes abordagens, ou corre o risco de produzir algo medíocre.
O Synthesia (TEXT TO VÍDEO) pode acelerar a criação de cursos online narrados por avatares ou até mesmo pela sua própria imagem, mas não é tão simples organizar o conteúdo e tornar a comunicação eficaz. Também não é tão simples criar um avatar convincente, diferente do que normalmente é divulgado em vídeos do TikTok, que, aliás, também utiliza IA. Para produzir os vídeos e conteúdo, profissionais de RH, marketing e produtos ainda serão responsáveis pela maior parte do trabalho.
O Tome.app gera apresentações com textos e imagens em segundos, mas é provável que você precise fazer ajustes, pois as imagens ainda são de baixa qualidade e o editor não é muito amigável. Você também precisará combinar recursos de diferentes ferramentas para chegar a uma apresentação com a mesma qualidade que é produzida pelas equipes especializadas.
Ainda citando ferramentas disponíveis para usuários em geral, o Spotify utiliza IA para sugerir playlists customizadas para você.
A Netflix também organiza o conteúdo de acordo com o seu gosto utilizando IA.
A Amazon também está na lista das empresas que usam IA.
Suas pesquisas no Google e até alguns alertas do seu carro utilizam IA para prestar os serviços que já consumimos em nosso dia a dia e nem percebemos.
Além destas, existem ferramentas baseadas em IA já utilizadas no dia a dia das empresas, como:
E isto tudo já vem sendo utilizado há algum tempo, sendo que cada uma destas ferramentas gerou impactos específicos em nossa produtividade e empregos.
Na medida em que criamos ferramentas, as incorporamos como parte de nossa própria existência. Tornamo-nos também mais exigentes com os próximos avanços.
Não é com o ser humano atual que as futuras tecnologias competirão, mas com um ser humano que já terá novas competências. Seremos cada vez mais híbridos e capazes.
Se você já é usuário de um LLM como o ChatGPT, não ficará tão surpreso com o COPILOT da Microsoft ou com as novas features do Google como o Help me Write, que passarão a integrar as capacidades destes modelos em suas principais ferramentas, como o Teams, Excel, Power Point, Word, Google Docs e Gmail. Portanto, hoje já somos mais exigentes e capazes do que éramos ontem.
A evolução tecnológica é como uma escada que todos precisamos subir. Se você perder alguns degraus, pode ser difícil saltar para o degrau que alguns já alcançaram. Quanto mais abaixo você estiver, menos você conseguirá enxergar em relação a quem já está mais acima.
Bill Gates, lá em 2017, já defendia que seria necessário aplica recursos públicos para capacitar a mão de obra em novas tecnologias, na medida em que o tempo entre o seu lançamento e adoção fosse reduzido de forma drástica:
“Os robôs que tirarem seu emprego deveriam pagar impostos”, defendeu ele em uma Entrevista para Quartz.
Esta ideia ainda é comentada nos dias de hoje, como forma de gerar fundos para capacitação profissional.
Em outra perspectiva, vale considerar o impacto da IA no empreendedorismo. Ferramentas baseadas em IA têm viabilizado novos negócios e estimulado o espírito empreendedor.
Para esses empreendedores, a IA tornou-se uma extensão de suas próprias capacidades. Estes empreendedores utilizam a IA para produzir imagens para camisetas, criar música, produzir cursos, gerar leads, criar websites completos e gerar campanhas publicitárias. Sem a IA, provavelmente muitos estariam procurando um emprego tradicional.
No Brasil, são as micro e pequenas empregas que geram a maior parte dos empregos. Segundo o SEBRAE, com base no CAGED, 8 em cada 10 empregos foram gerados por micro e pequenas empresas em 2022.
Por fim, o impacto conceitual da IA nos empregos é imensurável, mas o impacto real só se dará na medida que novas ferramentas forem sendo disponibilizadas e cada ferramenta causará impacto específico.
Assim como nos adaptamos à outras ferramentas, precisaremos nos adaptar às novas, ampliando nossas capacidades e nos tornando mais capazes. Esta pressão evolutiva já faz parte das nossas vidas e o que temos que observar para avaliar seu impacto massivo nos empregos é a velocidade com que novas ferramentas serão adotadas pelo segmento empresarial. Precisamos avaliar os impactos reais e estar atentos aos conceituais. Uma dica para os trabalhadores: continuem subindo os degraus.
Ana Gallo é membro da First Movers, comunidade de alta liderança de RH da StartSe. Participe gratuitamente e conecte-se com os maiores especialistas e empresas do mercado.
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Ana Gallo lidera a área de Negócios para HR Tech Delivery na EY. Palestrante para assuntos que envolvem IA no RH, Tecnologia para o RH e Temas de Diversidade e Inclusão. Formada em engenharia pela UNESP, possui MBA pela USP e especialização em Diversidade e Inclusão na PUC-RJ. Com atuação em projetos nacionais e internacionais, Ana abraçou temas como Transformação Digital no RH, Talent Management, Employee Experience, Universidades Corporativas, Inteligência Artificial, Cultura Empresarial e Diversidade e Inclusão.
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