A nova crise do trabalho não é sobre tecnologia, é sobre maturidade, responsabilidade e colaboração.
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15 min
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29 out 2025
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Atualizado: 29 out 2025
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Em quase toda empresa que você entra, o roteiro se repete: gerações em confronto, cada uma a procura de um culpado.
De um lado, uma “nova geração” que acusa os mais velhos de serem opressores, rígidos e ultrapassados. Para eles, a liderança tradicional não passa de autoritarismo disfarçado, a disciplina é vista como falta de empatia e a cobrança por resultados como exploração. Olha para os modelos antigos com desconfiança, como se todo esforço fosse algum tipo de abuso e toda hierarquia fosse algum tipo de injustiça a ser reparada.
Do outro lado, temos a “velha geração" que classifica os jovens como frágeis, preguiçosos e ansiosos demais. Para eles, os novos não suportam frustração, confundem liberdade com ausência de responsabilidade e querem recompensas antes mesmo de merecê-las. Olham para os recém-chegados e enxergam imaturidade, vício em atalhos digitais e uma recusa sistemática ao esforço.
Neste contexto, cada grupo constrói seu próprio tribunal: os jovens, com a retórica da falta de espaço; os veteranos, com a retórica da falta de esforço. Uma batalha moral onde cada lado jura que está certo.
Apenas um recuo histórico aqui…. Esse é um assunto velho: em 1887, Nietzsche, em seu Genealogia da Moral, mostrou que a moral é relativa e nasce sempre da lente de quem acusa. O “ressentido" cria sua moral para inverter a balança e se proteger do outro. Os “nobre” reescreve as regras para que sua fraqueza apareça como virtude. Ou seja, quando o tema é moral, todos estão certos e estão errados ao mesmo tempo.
É exatamente isso que se vê nas organizações: uma moral fluida que varia conforme o grupo que se coloca como vítima ou opressor do outro lado. Uma carapuça “one-size-fits-all" que cabe para os dois lados.
A grande verdade é que tá todo mundo de mimimi. Entre culpabilizadores e vitimizados, a conta sobra para é para a empresa. A disputa deixa de ser sobre entrega de resultados e performance e passa a ser sobre narrativas e moral. O jogo da acusação cruzada domina as pautas e substitui o jogo da criação conjunta de soluções.
O resultado final é um ambiente paralisado e culturalmente contaminado onde ninguém lidera de fato e ninguém colabora de verdade. Este dilema é o que vou abordar neste texto.
A tensão geracional não é invenção, ela se tornou um dado objetivo, mensurável e visível em diferentes pesquisas.
Segundo levantamento global da Deloitte, apenas 6% dos jovens da Geração Z sonham em ocupar cargos de liderança formal. Para a maioria, a liderança é um fardo que mistura estresse, exposição pública e falta de propósito. Já pesquisas como o Trust Barometer da Edelman mostram também que mais de 70% dos colaboradores afirmam não confiar em seus gestores diretos. É uma estatística brutal: revela que, para a maioria, o chefe deixou de ser referência e passou a ser apenas um obstáculo no meio do fluxo de trabalho. Ou seja, os liderados, não querem ser guiados por quem já está no comando.
Do outro lado da equação, os mais velhos também carregam sua dose de frustração. Segundo o Pew Research Center, 60% dos profissionais acima dos 45 anos afirmam acreditar que os mais jovens não têm disciplina nem preparo para assumir responsabilidades maiores. É um dado que traduz desencanto: veteranos que enxergam nas novas gerações uma fragilidade estrutural, uma espécie de “aversão ao esforço” que compromete a sucessão de comando.
Os dois lados, portanto, estão em crise e o atrito está documentado: gerações que se rejeitam mutuamente, desconfiando umas das outras, criando um ambiente onde ninguém quer assumir e ninguém quer seguir. Os “novos” evitam a liderança porque não enxerga valor em assumir responsabilidades num sistema que parece falido. Os “velhos” se agarram ao poder, mas não conseguem mais mobilizar confiança nos times nem transmitir sentido.
O mimimi se espalha por todos os níveis e as peças do grande desencaixe cultural estão espalhadas pelo chão.
Nesse crime da acusação cruzada não há inocentes. Jovens e velhos, líderes e liderados, todos têm sua parcela de responsabilidade no desencaixe que paralisa as organizações. O conflito não é apenas sobre estilos diferentes de trabalho, mas sobre a erosão simultânea dos encaixes entre as duas forças fundamentais de uma cultura: a capacidade de liderar e a disposição de colaborar.
O grande fato é que temos hoje Lideres que não lideram e Colaboradores que não colaboram:
Colaboradores que não colaboram:
O ciclo do “colaborador que não colabora” começa com uma sensação de frustração diante da falta de espaço para influenciar decisões relevantes. Muitos se sentem invisíveis, como se suas vozes não importassem.
Essa sensação dolorida - criada por um mundo externo que esteve sempre customizado para seus interesses - gera uma desconfiança e desconforto sobre o modelo de hierarquia. Provoca uma impaciência crescente, marcada por comentários ácidos, respostas curtas e uma energia cada vez menor nas reuniões. “Aqui nada muda”. Essa frustração vira caldo fértil para o ressentimento.
A vitimização é a etapa seguinte. O colaborador passa a reinterpretar toda situação como injustiça pessoal: cobranças viram perseguições, regras viram opressões, metas viram castigos. O foco em direitos e não em deveres onde a atenção passa a ser menos para performance e mais para direitos individuais independente de mérito ou contexto.
Nesse ponto, o discurso já não é apenas interno — ele se espalha pela equipe, criando uma detração contagiosa. A ironia e a queixa passam a ser a principais formas de socialização. O que antes era um time de trabalho se torna um grupo de apoio mútuo na arte de reclamar.
A última fase desse ciclo é o desengajamento e a desconexão estrutural. O colaborador deixa de enxergar propósito no que faz: o trabalho se fragmenta em checklists, métricas superficiais e direitos reivindicados.
Surge então o foco no “meu papel” em vez do resultado coletivo, a recusa sistemática de assumir responsabilidades duradouras e a desconfiança crônica de qualquer nova iniciativa. A consequência é a retração total da iniciativa: escolhe a segurança da mediocridade, espera ordens e, quando o desempenho cai, encontra no próprio fracasso a confirmação da sua narrativa de vítima.
O ciclo do líder que não lidera também tem sua lógica previsível. Ele começa com o desconforto diante da baixa entrega de sua equipe. O líder percebe o desengajamento, sente a queda de energia e produtividade, mas não sabe como reverter.
Surge a ansiedade por resultados, e a resposta automática é voltar ao que já conhece: mais relatórios, mais checkpoints, mais controle. É a tentativa desesperada de compensar impotência com mais vigilância.
A intensificação do controle gera a microgestão. O líder começa a acreditar que a solução está em criar regras mais rígidas, novas camadas de aprovação, procedimentos mais detalhados. Mas, em vez de aumentar a clareza, ele asfixia ainda mais a equipe.
Pessoas com medo de errar passam a jogar pelo seguro, evitando riscos e escondendo problemas. O resultado esperado não vem, e a frustração do líder só aumenta. É o começo da corrosão da confiança mútua.
Quando o controle falha, instala-se a distância humana. O líder se afasta do cotidiano da equipe, aparecendo apenas para cobrar resultados ou expor falhas. O tom fica ríspido, o reconhecimento desaparece e as conversas se tornam frias. O líder, em vez de corrigir a rota, busca culpados. Ao invés de formar equipes, passa a ser o inquisidor.
A culpabilização e a punição reforçam o clima de medo, gerando silêncio organizacional: ninguém ousa dizer a verdade, todos preferem se proteger. Sem confiança, o líder fecha o ciclo com ainda mais controle — e a espiral negativa se intensifica.
No fundo, a organização se transforma em uma verdadeira máquina de atrito. Ela consome enormes quantidades de energia emocional e intelectual, mas quase nada se converte em avanço real. Como um motor que gira em falso, há barulho, calor e desgaste, mas nenhum deslocamento significativo. O tempo passa, os recursos se esgotam e a sensação coletiva é de exaustão permanente.
Esse choque entre entediados e exaustos gera improdutividade sistêmica. Jovens que não querem ser guiados por líderes que não inspiram; líderes que não querem mais guiar jovens que não se comprometem. Cada lado reforça o pior do outro: a vitimização alimenta o controle, o controle alimenta a vitimização. Ambos perdem, e a empresa paga a conta.
Essa é a tragédia silenciosa: quanto mais líderes tentam controlar, mais colaboradores se retraem; quanto mais colaboradores se vitimizam, mais líderes se frustram. O sistema fecha-se sobre si mesmo, como uma serpente que morde o próprio rabo.
Até que alguém quebre o ciclo, a empresa continuará prisioneira de uma máquina que apenas desgasta, mas nunca move. Essa conversa entre avôs rabugentos e netos mimados precisa terminar.
No fim, não estamos diante de um problema novo. Gerações diferentes sempre pensaram e agiram de maneiras distintas e, ainda assim, sempre encontraram formas produtivas de conviver. O que mudou não foi a diferença em si, mas a nossa capacidade de transformá-la em aprendizado. Hoje, a divergência virou ressentimento e o debate virou acusação. Deixamos de tratar o trabalho como espaço de construção coletiva e passamos a tratá-lo como campo de queixas individuais. Perdemos o tom adulto da convivência.
Está na hora de reencaixar essa dinâmica. De reconhecer que cada geração tem algo essencial a oferecer: os mais jovens trazem curiosidade, velocidade e inconformismo; os mais velhos oferecem visão, resiliência e perspectiva. A força está no encontro entre essas diferenças, não na disputa. O conflito entre gerações pode deixar de ser uma guerra fria e se tornar uma aliança produtiva, onde o novo desafia e o velho sustenta. Mas isso só acontece quando trocamos o ressentimento pela responsabilidade.
Todos precisamos voltar a ser adultos. Ser adulto no trabalho não é envelhecer, é amadurecer. É assumir responsabilidades em vez de apenas reivindicar direitos. É decidir liderar quando o cenário é confuso, e não esperar que alguém resolva. É colaborar com o todo, mesmo quando o reconhecimento demora a chegar. O pacto entre gerações só vai se sustentar quando cada um, de seu lado, escolher agir com coragem, clareza e compromisso. Porque no fim das contas, o futuro das empresas não depende de quem tem mais idade, depende de quem tem mais maturidade.
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Experiente Diretor de Marketing, Inovação e Estratégia com um histórico comprovado em vários indústrias. Hábil em Gestão de Marketing, Planejamento de Mercado, Planejamento Estratégico, Customer Marketing, Inovação e Transformação Digital.
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