Enquanto marcas correm atrás da fidelidade, o consumidor não quer ser fiel
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, redator(a) da StartSe
15 min
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26 ago 2025
•
Atualizado: 26 ago 2025
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Nunca se falou tanto sobre fidelização. Plataformas de CRM, programas de pontos, cashbacks, clubes de assinatura, comunidades fechadas. As marcas estão obcecadas em “reter” seus clientes. O problema? O consumidor não quer mais ser retido.
Vivemos a era da infidelidade voluntária. E isso não é um defeito, é um novo padrão de comportamento. O cliente não está mais comprometido com a sua marca, ele está comprometido com a melhor escolha para o momento. Se antes o vínculo emocional era construído ao longo de anos, agora ele dura até a próxima aba do navegador.
Dados recentes apresentados pelo Google em Nova York à delegação da StartSe confirmam isso:
🔹 81% dos brasileiros buscam diferentes canais para realizar compras
🔹 59% compraram em pelo menos três canais diferentes
🔹 E o mais chocante: 50% dos consumidores compraram de uma loja onde nunca haviam comprado antes
Ou seja: metade do Brasil está constantemente experimentando novos fornecedores. Isso é um pesadelo para quem apostava em recorrência automática e uma oportunidade de ouro para novos entrantes. Nunca foi tão possível conquistar market share com agilidade, se a proposta de valor for clara, atual e bem distribuída.
Mas o jogo é duplo. Enquanto novas marcas testam formatos e capturam atenção, as grandes marcas precisam dançar em dois palcos ao mesmo tempo: proteger os campeões de vendas, que sustentam o negócio, e inovar com velocidade, antes que a irrelevância se instale. Isso exige portfólio dinâmico, canais flexíveis e times capazes de operar com ambidestria.
Na NRF deste ano, outro dado chamou atenção: 72% dos consumidores globais preferem marcas que “sempre inovam”, ou ao menos parecem inovadoras. Isso mostra que, muitas vezes, a percepção de inovação já é suficiente para manter o cliente curioso e engajado. Ser novo, surpreendente, mutante, isso tem valor real no mercado da infidelidade.
Mas aqui vem o ponto mais delicado: essa mudança é um sinal de disrupção ou apenas uma distração? Será que estamos realmente diante de um novo tipo de relação marca-cliente, mais fluida, mais aberta, mais imprevisível? Ou estamos apenas reagindo ao excesso de opções e estímulos com escolhas mais oportunistas?
Seja como for, uma coisa é certa: quem continuar acreditando que lealdade é conquistada apenas com tradição, estabilidade ou histórico de mercado vai falar com um cliente que já não está mais ouvindo.
Por décadas, pensamos que bastava entregar um bom produto com consistência para criar uma relação duradoura. Essa era a promessa da fidelidade: quem entrega bem, garante retorno. Mas isso funcionava num mundo de escassez de opções. Hoje, vivemos na era da superabundância.
Basta abrir o TikTok, o Instagram ou o Temu para ser bombardeado com novidades. Marcas que nunca ouvimos falar, com promessas irresistíveis, preços dinâmicos, linguagem divertida e ofertas limitadas no tempo. Em meio a esse ruído, o hábito é suplantado pelo impulso. A confiança de longo prazo dá lugar à excitação de curto prazo.
Essa é a lógica das plataformas de descoberta, como o TikTok Shop ou o Shein, que apostam no “efeito slot machine”: cada deslizar de dedo pode trazer algo mais interessante, mais barato, mais desejável. A fidelidade, nesse cenário, é quase um anacronismo.
O consumidor está mais racional do que nunca. Ele entende que ser fiel pode custar mais caro. Que há marcas mais eficientes, mais baratas ou mais convenientes a cada clique. Ele virou um curador de soluções para o seu próprio estilo de vida. E isso exige constante experimentação.
Segundo a McKinsey, 75% dos consumidores nos EUA já mudaram de marca ou canal de compra pelo menos uma vez desde 2021. No Brasil, a cifra é semelhante. A pandemia acelerou a flexibilidade do consumidor, e a IA turbinou o processo de descoberta.
Muitas estão lutando com uma crise de identidade. Elas foram construídas para serem sólidas, confiáveis, familiares. Mas agora precisam ser também maleáveis, responsivas, ousadas. Precisam dialogar com diferentes públicos em diferentes plataformas, sem perder a coerência.
Isso exige uma transformação mais profunda do que apenas marketing. Exige a reinvenção do produto, do canal, da linguagem, do ritmo. Exige entender que o seu maior concorrente não é mais a marca do lado, é o próximo clique.
A verdadeira batalha não é pela lembrança, mas pela presença recorrente. No feed, no bolso, no hábito. A Amazon, por exemplo, não é lembrada: ela é usada. O iFood, o Nubank, o Mercado Livre, todos entenderam que fidelidade hoje é menos sobre afeto e mais sobre fluidez e conveniência.
Revise constantemente sua proposta de valor. Questione seu portfólio. Se a sua própria equipe não está animada com o que vende, por que o consumidor estaria?
É comum ver empresas tentando manter o mesmo discurso e oferta por anos, mesmo quando o mundo já virou do avesso. A verdade é que muitas marcas exigem uma fidelidade que elas mesmas não demonstram por seus consumidores, pois não se reinventam, não escutam, não mudam. Ser infiel a si mesmo, nesse caso, significa ter coragem de abandonar certezas que já não emocionam mais o cliente. Significa atualizar suas promessas, mesmo que isso incomode quem se acomodou dentro da organização.
O consumidor atual recompensa marcas que têm coragem de se contradizer para se atualizar. O iPhone matou o iPod, o Netflix matou seu modelo de DVD, o Nubank abandonou seu design roxo flat para experimentar narrativas mais coloridas e populares. Toda marca precisa se perguntar constantemente: “O que eu ofereço hoje que está me prendendo ao passado?” Porque, nesse novo jogo, se você não estiver disposto a reinventar a si mesmo, o cliente vai se reinventar, com a ajuda da concorrência.
A inovação não pode ser um projeto anual. Ela precisa ser uma frequência cultural. Testes semanais, lançamentos mensais, evolução contínua. A Shein lança milhares de produtos por semana, não por vaidade, mas para manter o radar do consumidor sintonizado.
A inovação em ciclos longos, típica das grandes corporações, foi desenhada para um mundo previsível. Mas no mundo atual, onde o comportamento do consumidor muda a cada rolagem de feed, quem inova devagar perde o pulso do mercado. A inovação precisa ser parte da cadência do negócio, incorporada à rotina da empresa como uma função essencial, não um projeto especial. Isso exige times ágeis, experimentação com risco controlado e uma cultura que valoriza velocidade sem perder relevância.
Modelos como o da Temu, que testa preços e formatos em tempo real, ou o da Amazon, que muda suas páginas de produto centenas de vezes por dia com base em microdados, mostram que inovação hoje é menos sobre criar algo genial, e mais sobre adaptar o tempo todo. Marcas que atualizam vitrines semanalmente, campanhas quinzenais e ofertas diárias mantêm a percepção de movimento. E movimento, em tempos de infidelidade, é o novo sinônimo de confiança.
Invista em canais que gerem recorrência. Push notification, conteúdo relevante, experiências sociais. Fidelidade não é lembrança, é ocupação de espaço real no cotidiano.
Preferência é algo passivo, é o que o consumidor responderia se alguém o entrevistasse. Mas presença é ativo, é quando a marca aparece na vida real, sem ser chamada. A Magalu não quer só ser lembrada, ela quer estar no bolso do cliente. O Spotify não quer ser o player favorito, quer tocar enquanto você vive. A briga não é mais pelo coração ou pela mente, é pelo tempo de tela e de atenção.
Marcas relevantes hoje são aquelas que aparecem na hora certa, com conteúdo, utilidade ou emoção. Um bom exemplo é o iFood, que além de vender comida, agora oferece lives, jogos, cupons, sorteios e ativações com celebridades. Tudo para manter o app no fluxo diário. Não basta ser boa: você precisa ser presente. Marcas que desaparecem do radar somem do carrinho. E, pior, somem da rotina do cliente.
Marcas que surpreendem geram desejo. Use design, narrativas e storytelling para manter o consumidor curioso. Como faz a Boticário com collabs, ou o Outback com ativações sazonais que se tornam eventos sociais.
A curiosidade é o motor que move o consumidor em tempos de estímulo constante. Uma marca que repete sempre o mesmo repertório vira paisagem. Já uma marca que se reinventa constantemente cria o efeito “e agora?”, um gatilho poderosíssimo para engajamento e recompra. A Apple cria isso com seus lançamentos cronometrados. O Netflix, com suas séries e virais. A Renner, com parcerias inesperadas com influencers e designers.
Essa lógica pode ser aplicada a qualquer negócio, inclusive os mais tradicionais. Um supermercado que lança marcas próprias ousadas, uma farmácia que muda a fachada por causa de uma campanha, uma loja de bairro que muda a vitrine semanalmente todos esses exemplos geram pequenos picos de atenção que mantêm o cliente olhando. E enquanto o cliente olha, ele continua interessado. E enquanto está interessado, ele está com você.
Pare de premiar só quem “fica”. Comece a encantar quem “chega”. Cada primeira compra deve parecer um presente. Cada visita, uma nova descoberta. A fidelidade será, no máximo, uma consequência, nunca mais o ponto de partida.
No modelo antigo, os clientes “fiéis” ganhavam as recompensas. No modelo novo, é o cliente curioso, que acabou de chegar, que precisa ser recebido com tapete vermelho. O sucesso de aplicativos como TikTok Shop ou Shopee se deve, em parte, à abundância de benefícios para novos usuários: cupons de boas-vindas, ofertas-relâmpago, bônus de indicação. Eles sabem que o consumidor precisa de um motivo extra para experimentar. E que a primeira impressão precisa ser memorável.
Essa mentalidade precisa ser aplicada mesmo em empresas tradicionais. Restaurantes podem oferecer brindes inesperados no primeiro pedido. Plataformas podem personalizar o onboarding de forma quase lúdica. Marcas podem criar kits de boas-vindas que viralizam no unboxing. Encantar quem chega virou mais importante do que tentar reter quem já está. Afinal, num mundo onde todos estão prontos para partir, o verdadeiro luxo é fazer alguém querer ficar, e voltar.
Estamos vivendo uma mudança tectônica no comportamento de consumo. Não se trata de um capricho passageiro, mas de um reajuste estrutural: o consumidor quer liberdade, quer novidade, quer movimento. E as marcas que entenderem isso não tentarão mais impedir o voo — mas criarão pontos de pouso frequentes.
A nova pergunta não é “como reter o cliente?”, mas sim:
Como me tornar a próxima marca que ele quer descobrir?
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redator(a) da Startse
Sócio da StartSe com negócios no Vale do Silício e China, 20 anos Executivo de Grandes Cias, nas áreas estratégica, inovação, transformações digital e cultural nos negócios em que atuou. Investidor e Conselheiro de empresas.
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