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Como a fintech Hash foi dos milhões às demissões?

A história da Hash, fintech que surfou a onda de empolgação que tomou o cenário startupeiro do país nos últimos anos, causou impacto

Como a fintech Hash foi dos milhões às demissões?

Ademar Proença, diretor de operações da Hash (foto: divulgação)

, Redator

12 min

7 out 2022

Atualizado: 19 mai 2023

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A pergunta que ficou foi, como uma startup que parecia tão promissora, que anunciou ter levantado portentosas rodadas de investimento (perto de US$ 60 milhões), chegou ao ponto de deixar de atender clientes, demitir sua força de trabalho e encerrar abruptamente suas operações? Como ela gastou tanto dinheiro?

Para tentar encontrar respostas, o Startups conversou com alguns ex-funcionários e fontes do mercado. E o que encontramos foi uma espécie de “cautionary tale” – um termo em inglês que não tem uma tradução específica em português, mas que indica uma história que serve de aviso para quem estiver interessado em ler e tirar suas conclusões.

Predestinados?

“Tinha (na empresa) uma convicção que o sucesso do negócio era meio inevitável, que investidores brigavam para investir na Hash, e isso criou um pouco de soberba internamente”, comentou um ex-funcionário da companhia que preferiu não revelar sua identidade.

Segundo a fonte, a empresa pisou no acelerador para impulsionar seu crescimento sempre contando com futuras rodadas de investimento para cobrir gastos exacerbados e um modelo de negócios com margens negativas. “A empresa estava muito focada em expansão, e os investidores estavam em linha com isso. A companhia manteve sempre um histórico de gastar profusamente, mesmo com o funding chegando ao final”, destacou a fonte.

Por falar em orçamento, outra fonte que trabalhou na empresa também falou sobre controles de custo (ou a falta de) dentro da fintech. “Contava-se muito com rodadas de investimento para tudo. Tinha receita sim, mas comparado aos gastos, não fechava”, pontuou.

Desde a sua fundação, a empresa ficou quase 4 anos sem um CFO, e somente no começo de 2021 contratou Marcelo D’Alfonso, ex-CFO da Moip, que não ficou mais do que um ano nno cargo. Além disso, segundo a fonte ouvida pelo Startups, nos meses que antecederam o fim das operações, a startup estava sem um executivo responsável pelas finanças.

Segundo uma fonte de mercado que conhecia os números da Hash, a fintech tinha cerca de 95% de sua receita vinda de 3 clientes: Neon, Léo Madeiras e uma empresa da área farmacêutica. Na divulgação de sua rodada de série C em outubro/21, a companhia dizia ter 16 clientes, com expectativa de chegar a 20 até o fim do ano e dobrar a base em 2022.

Altos custos

Uma das questões que mais chamou a atenção nas conversas com ex-funcionários e gente do mercado foi a dos gastos. Ao longo dos últimos anos, além do que algumas pessoas classificam como subsídio aos clientes – com preços pelo serviço muito abaixo dos praticados pelo mercado, a companhia também esbanjou.

Em meados de 2020, durante a pandemia, a empresa fez um mês de workshops em uma mansão em um condomínio de luxo em Bragança Paulista, pagando passagens para os funcionários, assim como bancando festas, buffet e outras amenidades durante o mês. “Os workshops viravam festa com DJ, e a empresa chegou a ser expulsa do local por conta do barulho, pagou multa e tudo”, afirmou a fonte, que também preferiu expor sua identidade.

Um exemplo outro foi o financiamento de projetos caros que não resultaram em nada para o negócio. “Vários projetos foram desperdiçados e outros nunca de fato foram colocados para rodar, pois a estratégia da diretoria mudava a todo momento”, destacou uma outra fonte ouvida pela reportagem.

Boas intenções

Por trás do histórico de erros da Hash, até que as intenções eram boas. Segundo as pessoas ouvidas pelo Startups, um dos motes da companhia era o de colocar seus funcionários em primeiro lugar. Salários altos, benefícios, mimos caros (quem aí na sua empresa ganhou a versão mais cara da assistente Alexa?), festas e até mesmo bônus em dinheiro para seus funcionários – algo incomum para uma empresa que ainda operava sem lucro.

“A imagem que tínhamos era a de um RH que fazia tudo pelos seus funcionários”, revelou a fonte ao Startups. Inclusive, a política “hashers first” (nas palavras da própria empresa) resultavam em gastos fora do processo de aprovação de orçamento. “Tinham muita preocupação com a imagem do RH, e divulgavam abertamente benefícios para vender a ideia de que era o melhor lugar para se trabalhar. Chegaram a tirar pessoas de empresas maiores, que hoje estão desempregadas”, completou.

E foi justamente por esta cultura em favor dos funcionários que fez, a partir do 2º semestre de 2021, com que os colaboradores começassem a perceber sinais de que as finanças não estavam assim tão bem. Naquele momento, a companhia tomou algumas decisões impopulares junto aos colaboradores. “Estavam reajustando pagamentos abaixo da inflação. Tinham prometido incluir cônjuges no plano de saúde, algo que não cumpriram”, destacou uma das fontes.

Enquanto todo mundo (inclusive a gente) noticiava uma nova rodada de investimento quase 3 vezes maior que a anterior, em outubro/21, a empresa já estava em “modo contenção de despesas”. Eventos foram diminuídos ou cancelados e benefícios foram cortados. “Tinham negociado com sindicato para pagar um percentual menor com dissídio, algo que não faziam antes”, afirmou uma das fontes.

Isso não impediu, no entanto, que a empresa estourasse o orçamento de R$ 800 mil para sua festa de final de ano, realizada em São Paulo. Além disso, a empresa pagou passagens e diárias no hotel de luxo Grand Mercure Vila Olímpia para funcionários e cônjuges de fora da cidade.


Dúvidas

Em maio deste ano, oito meses depois da divulgação da série C de R$ 235 milhões, a empresa já comentava internamente sobre a necessidade de um novo aporte.

“Aí começou a rolar o rumor de que a empresa poderia sofrer em alguns meses, mas não em tão pouco tempo. Achei que a empresa poderia entrar numa fusão ou aquisição até o fim do ano, o que já poderia ser algo ruim, mas acabou rolando o pior cenário”, revelou uma das fontes.

Conforme foi apurado pela reportagem, 2022 foi um ano de preocupação. Apesar dos salários estarem em dia, a Hash atrasou seu compromisso de pagar os bônus aos funcionários. A tal bonificação, paga em parcela integral em 2021, foi dividida em duas parcelas – uma em março e a outra prevista para setembro. “Os bônus foram pagos e me falaram que conseguiram pagar os partos das ex-funcionárias que estavam grávidas. No entanto, elas permaneceram sem o plano de saúde”, destacou uma pessoa ouvida pelo Startups.

E agora?

Ao anunciar as demissões e suspensão de contratos com clientes em agosto, ficou no ar a dúvida de como a Hash seguiria no mercado. Segundo apurado pela Bloomberg no começo de setembro, o CEO João Miranda afirmou que a empresa não acabou, mas não comentou sobre o caminho para a continuidade do negócio. Procurado pelo Startups, o executivo não deu retorno até o fechamento da matéria. Ele chegou a ler a mensagens enviadas pelo WhatsApp, mas não respondeu.

Tá, mas a empresa então sobreviveu? “Não sobreviveu, não tem nenhum funcionário mais lá, apenas o CEO”, disparou uma das fontes ouvidas pelo Startups. E como cereja no topo do bolo, mais um sinal de que a empresa não se planejou muito bem nem no final: todos os funcionários até agora mantiveram todos os equipamentos eletrônicos cedidos pela startup. “Deixaram todos os 250 funcionários com os equipamentos da Hash, incluindo notebooks. Não tem ninguém mais para buscar, então provavelmente essas pessoas não terão que devolver”, completou.

No LinkedIn, alguns profissionais ainda estão com o nome da empresa ativo em seus currículos, dando a entender que não saíram da companhia. Para tirar a dúvida, conversamos com algumas pessoas e a resposta foi que a empresa de fato encerrou suas atividades, eles apenas não mudaram os seus perfis.

O Startups apurou que a companhia acertou os pagamentos com ex-funcionários e fornecedores, e deixou um rastro menos negativo no mercado do que poderia se imaginar para uma situação dessas.

Em meio a um cenário em que startups precisam se adaptar a uma nova realidade em que a receita vem antes da busca pelo crescimento desenfreado, fica o alerta. “Houve uma má gestão de recursos por meio da diretoria. Foram num embalo, numa empolgação que talvez precisasse de alguém com mais maturidade de negócios para segurar”, analisa uma das fontes em retrospecto.

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