De stablecoins lastreadas em bancos à engenharia DeFi descentralizada, o embate entre Bitcoin e Ethereum revela como soberania e liquidez podem coexistir no novo sistema financeiro digital.
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26 jun 2025
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Atualizado: 26 jun 2025
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Num mundo cada vez mais conectado, globalizado e digital, o modelo monetário tradicional — com moedas fiduciárias emitidas por governos e bancos centrais — começa a revelar seus limites. A inflação persistente, o controle de capitais, as fronteiras bancárias e a ineficiência operacional de um sistema que não funciona 24 horas por dia são sintomas de um sistema falho, centralizado e cada vez mais contestado.
A ascensão das moedas digitais — sejam criptoativos privados, stablecoins ou moedas digitais de bancos centrais (CBDCs) — responde diretamente a essa crise de confiança.O mercado busca soluções que combinem liquidez, segurança, interoperabilidade global e independência de intermediários. Neste contexto, Bitcoin e stablecoins emergem como alternativas de disrupção e reinvenção.
A novidade? Estamos agora assistindo ao nascimento de stablecoins nativas da rede Bitcoin — como a USDB — e à consolidação de modelos cripto-colateralizados como o DAI, da MakerDAO, operando sobre o ecossistema Ethereum. Ambos apontam para um mesmo destino: a descentralização do valor.
A USDB é uma stablecoin indexada ao dólar americano (USD), com lastro real em moedas fiduciárias mantidas em reservas reguladas, mas nativamente operante sobre a rede Bitcoin — uma solução que permite contratos inteligentes sem comprometer a segurança da camada base.
Historicamente, o Bitcoin não foi projetado para contratos complexos ou operações de stablecoins. Mas com soluções como Ordinals, BRC-20 e agora a BitVM, seu ecossistema está se abrindo para novos usos — sem abrir mão da descentralização e segurança que o tornaram o padrão ouro digital. A USDB amplia o papel do Bitcoin de reserva de valor para meio de liquidez diária, ancorando o dólar diretamente em sua infraestrutura.
O principal trunfo da USDB está no fato de herdar a segurança da rede Bitcoin, hoje considerada a mais robusta, auditável e resistente à censura no mundo digital. Isso a diferencia de stablecoins que dependem de redes menos descentralizadas e suscetíveis a falhas de governança — como a Tether, por exemplo, operante em rede Ethereum . É uma aposta na solidez computacional como base da confiança.
Entretanto, apesar de ser executada sobre a rede Bitcoin, a USDB é lastreada em ativos custodiados por uma entidade centralizada (como bancos). Isso impõe um limite importante à sua autonomia: embora as transações sejam públicas, o controle do lastro e a emissão dos tokens ainda dependem de terceiros. Embora compartilhe com CDBC o uso de reservas centralizadas, a USDB ainda oferece maior transparência e liberdade de uso do que uma CBDC atrelada diretamente a um Estado soberano, que pode impor censuras automatizadas por design.
Uma das críticas recorrentes ao Bitcoin é sua baixa usabilidade como moeda de troca no dia a dia. A razão? Os mercados não precificam em satoshis, mas em dólar — seja para calcular lucros, pagar serviços ou negociar contratos. Nesse sentido, a stablecoin cumpre um papel crucial: viabilizar transações com estabilidade de preço, enquanto o BTC continua como ativo de reserva de valor.
A USDB, ao operar nativamente no Bitcoin, reduz o atrito entre liquidez e soberania. Isso significa que um usuário poderá transacionar em dólar (via USDB) sem sair da rede Bitcoin — e manter seu capital estratégico em BTC, sem exposição à volatilidade imediata. É a ponte ideal entre utilidade e preservação de valor.
A stablecoin DAI, gerada pela MakerDAO, representa o caminho oposto: um dólar sintético 1:1 colateralizado em criptoativos (como ETH, wBTC, USDC), com regras de emissão e liquidação controladas inteiramente por contratos inteligentes sobre a rede Ethereum.
Para emitir DAI, o usuário trava criptoativos como colateral em cofres (Vaults) no protocolo Maker. Por exemplo: ao depositar $1.500 em ETH, pode-se emitir até $1.000 em DAI (garantindo 150% de colateralização). Esse DAI pode ser usado livremente, enquanto o colateral permanece bloqueado — e será liquidado automaticamente caso o valor do ativo caia abaixo do limite de segurança.
A emissão de DAI é sobrecolateralizada, ou seja, a segurança do sistema depende de que todos os DAI em circulação estejam garantidos por ativos que valem mais do que o próprio DAI. Em momentos de oscilação do mercado, mecanismos automáticos de liquidação vendem colaterais para manter a solvência do sistema.
No entanto, a arquitetura sobrecolateralizada da MakerDAO pode enfrentar limites de escalabilidade. Em períodos de forte volatilidade, o sistema depende da eficiência dos oráculos e da liquidez dos mercados para liquidar posições. Uma falha nesse processo pode comprometer temporariamente a paridade e gerar corrida por liquidez, como já observado em momentos de stress do DeFi.
O MakerDAO é gerido por uma DAO (organização autônoma descentralizada), e o token MKR é o passaporte para o poder de decisão dentro dela. Quem detém MKR pode votar em atualizações de código, parâmetros de risco, inclusão de novos colaterais e mudanças de governança. Isso garante que a evolução do protocolo esteja nas mãos da comunidade — e não de uma empresa central.
Os nós (nodes) da rede Ethereum validam as transações da DAI, mas o protocolo Maker tem seus próprios oráculos e mecanismos internos de decisão, como os keepers (agentes que mantêm o sistema funcionando) e os governance facilitators, responsáveis por propor e conduzir votações. Assim, o sistema permanece tecnicamente autônomo, socialmente governado e economicamente incentivado.
Mesmo nativa da Ethereum, o DAI se conecta ao Bitcoin por meio, por exemplo, da Wrapped Bitcoin (wBTC)— um token 100% lastreado em BTC real. Isso possibilita que holders de Bitcoin colateralizem seus ativos para gerar DAI, sem vender sua posição — ativando liquidez sem perder exposição à valorização do BTC.
Ao contrário do USDB, o DAI é totalmente autônomo e autoexecutável. Não há um emissor ou custodiante único. A paridade com o dólar é mantida via mecanismos de colateralização, liquidação automatizada e governança descentralizada. Isso o torna uma das formas mais puras de stablecoin cripto-nativa, apesar de vulnerável a choques de volatilidade dos ativos que o sustentam.
A ascensão das stablecoins USDB e DAI revela que não estamos apenas diante de novas moedas digitais — mas da reformulação do próprio conceito de dinheiro, agora em um mundo onde a liquidez é programável, os contratos são autoexecutáveis e as fronteiras da confiança são validadas por código.
A USDB, ao operar nativamente na rede Bitcoin, representa a maturidade de uma infraestrutura até então considerada "lenta demais para inovação". Ela conecta o dólar diretamente à camada mais segura e descentralizada da internet, permitindo transações cotidianas sem abandonar o ecossistema do BTC. É uma solução para quem quer transacionar em dólar e preservar em satoshi — criando uma ponte entre o dia a dia e o patrimônio.
Já a DAI, com sua lógica de sobrecolateralização e governança distribuída, representa o ápice da autonomia financeira: é uma moeda que não depende de governos, de bancos ou de permissão. E mais do que isso, oferece algo que o Bitcoin, sozinho, não entrega: rendimento funcional sobre o capital imobilizado.
A proposta da MakerDAO pode transformar o Bitcoin — tradicionalmente um ativo de reserva — em um gerador de liquidez ativa. Ao usá-lo como colateral na emissão de DAI, o detentor não apenas preserva sua exposição ao BTC, mas também cria dólares estáveis e utilizáveis, mantendo a custódia de seu patrimônio.
É como fazer o dinheiro trabalhar para você, sem vendê-lo — e sem abrir mão da sua soberania digital. No modelo tradicional, ou você deixa o dinheiro parado, ou o coloca em risco em sistemas centralizados. No modelo DeFi, especialmente o da Maker, você mantém o ativo principal e gera renda com ele, colateralizando de forma controlada e transparente.
Nesse sentido, uma "DAI sobre Bitcoin" — seja via integração com USDB, sidechains ou futuros protocolos de segunda camada — talvez represente a fusão ideal: a estabilidade do dólar, a valorização do BTC e a automação da DeFi. Essa tríade poderia redefinir o modelo de poupança e crédito no mundo digital.
Esse movimento também tem implicações profundas para a IA financeira. Conforme explorado neste outro artigo do Entrelinhas, agentes de IA poderão usar stablecoins para operar mercados, contratar serviços, fechar negócios — tudo sem bancos, sem burocracia, sem humanos. Com Bitcoin como camada base e stablecoins como combustível, o dinheiro se torna programável, auditável e invisivelmente eficiente.
Estamos assistindo à criação de uma nova linguagem do valor — onde as máquinas não apenas leem ou escrevem, mas também pagam, contratam e investem. Nesse mundo, quem controla os protocolos monetários controla a inteligência. E o Bitcoin, mais do que nunca, quer ser motor desse protocolo.
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Fundador do StartSe, empresa de educação continuada com sede no Brasil e operações no Vale do Silício e na China. Empreendedor há mais de 10 anos, apaixonado por vendas e criação de produtos. Trabalha todos os dias para "provocar novos começos" através do compartilhamento de conhecimento.
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