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Sinergia ou foco? O erro estratégico que pode estar sabotando sua empresa

Entenda por que a busca por eficiência pode diluir marcas, travar equipes e comprometer o crescimento.

Sinergia ou foco? O erro estratégico que pode estar sabotando sua empresa

Foto: IA

, redator(a) da StartSe

21 min

1 set 2025

Atualizado: 1 set 2025

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Vivemos em uma era em que toda reunião de conselho, planejamento estratégico ou integração pós-fusão parece girar em torno das mesmas palavras: eficiência, sinergia, otimização de recursos.

Mas e se esse pensamento, tão bem-intencionado, estivesse sabotando o crescimento real das empresas?

Essa provocação me veio à tona durante uma conversa com um grande amigo — executivo de uma das maiores companhias do mundo no seu setor. Ele compartilhou um caso que desafia o bom senso tradicional da gestão:

Em um dos canais de vendas da empresa, um mesmo cliente — um único ponto de venda — recebia em média 11 visitas de times diferentes da própria companhia. Isso mesmo: 11 vendedores, cada um representando uma vertical de produto distinta, disputavam espaço no mesmo cliente.

A reação padrão de qualquer executivo seria imediata: “Não faz sentido! Estamos sendo ineficientes. Vamos racionalizar. Um único vendedor poderia representar todas as marcas.”

Mas o que ouvi me desconcertou:

“Estamos indo na direção contrária. Queremos chegar a 20 visitas diferentes por ponto de venda. Cada vez mais focados, mais especialistas.”

Na lógica convencional, isso soa como um absurdo. Na lógica da liderança de verdade, faz total sentido. Porque foco é o verdadeiro acelerador de resultado.

Essa história me lembrou de experiências que vivi no setor de distribuição. Em uma das empresas, trabalhávamos com 5.000 produtos no portfólio. E, ainda assim, o vendedor médio só vendia 500 deles.

Depois fui para outra operação com 50.000 SKUs — dez vezes mais. E o vendedor? Continuava vendendo os mesmos 500.

Essa matemática escancara o ponto: não é a diversidade de produtos que gera mais venda, e sim a capacidade de foco no ponto final. O gargalo está no vendedor, na execução, no fundo do funil — não na estratégia lá de cima que sonha com sinergias.

Dados recentes do relatório "State of Sales" da Salesforce confirmam esse fenômeno: 66% dos vendedores entrevistados afirmam que sentem-se sobrecarregados com o excesso de portfólio e processos, e 59% gostariam de mais foco em menos produtos.


A Queda do Shampoo Sinérgico

Esse mesmo executivo fechou nossa conversa com uma história marcante:

“Anos atrás, compramos uma marca de shampoo que faturava mais de R$ 1 bilhão. Tinha estrutura, liderança, time comercial, tudo rodando bem. Mas, para sermos ‘eficientes’, colocamos essa marca dentro da nossa divisão de shampoos, que já tinha outras cinco marcas.”

O resultado?

“Despencamos.”

A lição veio rápido. Hoje, cada marca tem sua diretoria dedicada. Mesmo que, no curto prazo, pareça financeiramente menos inteligente, no longo prazo a recompensa do foco se impõe. Porque marca não cresce na planilha, cresce na mente do consumidor — e foco é o que constrói memória, posicionamento, relevância.

Um estudo da Nielsen reforça esse ponto: marcas que mantêm posicionamento claro e foco de portfólio crescem 32% mais rápido no recall espontâneo de consumidores, quando comparadas a marcas "multifunção".


O Mantra da Sinergia está envelhecendo

Vivemos tempos em que as empresas precisam reaprender a pensar como donas do negócio, não como gestores de organogramas. Otimizar demais pode significar despersonalizar demais. A sinergia que parece racional no Excel, muitas vezes esvazia a alma do negócio na prática.

Na prática, muitas sinergias viram diluições. Em vez de multiplicar valor, comprimem diferenciação. Grandes fusões como a da Heinz com a Kraft, ou a tentativa de unificação entre Unilever e GSK Consumer, revelam os perigos dessa mentalidade: metas financeiras engolindo o valor da marca.


Para Executivos que sabem somar

A provocação é simples: da próxima vez que alguém sugerir mais sinergia, pergunte-se:

• Essa “economia” não está custando o foco?

• Essa racionalização não está achatando o que torna essa marca única?

• Estamos otimizando ou estamos diluindo?

Donos pensam diferente. Donos sabem que, entre sinergia e foco… sempre foco.


E as "sinergias internas”? A Ilusão do entrosamento que sabota a Execução

A frase “Vamos criar sinergias entre as áreas” aparece como panaceia e carrega um charme quase hipnótico no mundo corporativo. Mas, na prática, o que parece entrosamento organizacional muitas vezes é só disfarce para sobreposição de funções, perda de velocidade e apagamento de responsabilidades.

Toda empresa que cresce se vê diante da tentação de buscar sinergias internas: juntar áreas sob um mesmo guarda-chuva, fundir times para “ganhar escala”, centralizar decisões para “aumentar controle”. Parece lógico. Parece racional. Mas na execução, a história costuma ser outra: áreas diferentes têm dinâmicas diferentes, culturas distintas e métricas incompatíveis. Forçar o alinhamento muitas vezes gera paralisia em vez de potência.

Veja o caso das áreas de marketing e vendas. Inúmeras organizações decidiram “integrar” as duas sob uma mesma diretoria. Na teoria, o funil ficaria mais fluido. Na prática? O marketing vira suporte operacional, sem tempo para pensar marca; e vendas vira execução cega, sem visão estratégica. O que antes eram duas especializações complementares vira uma confusão de KPIs, backlog de demandas e brigas por prioridade.

Outro caso clássico: as sinergias entre produto e tecnologia. Muitas empresas resolvem unir esses times sob a lógica de agilidade. Mas o que acontece quando o mesmo gestor precisa escolher entre alocar recursos em inovação ou em estabilidade da infraestrutura? A tentação de priorizar o que “não quebra” sufoca o que poderia “criar o novo”. A sinergia que deveria acelerar a entrega, vira um impasse crônico.

É importante entender: não é a proximidade física ou hierárquica que gera colaboração real. É o alinhamento de propósito, clareza de papéis e respeito às diferenças de lógica. Sinergia verdadeira não é fusão — é orquestra. Cada instrumento com sua voz. Cada time com sua métrica. Mas todos tocando a mesma música.

As melhores empresas criam interfaces inteligentes entre áreas, não misturam tudo em nome da eficiência. Montam times interdisciplinares em projetos específicos, mas preservam a identidade dos núcleos. Criam fóruns de integração por objetivos comuns, não por organograma. E, acima de tudo, evitam o vício do “tudo junto e misturado”.

É hora de reconhecer: algumas sinergias internas matam a essência das áreas. Apagam a cultura específica que fez aquele time performar. Trocam profundidade por polidez. Quando todos têm voz, mas ninguém tem responsabilidade final, o resultado é um Frankenstein corporativo que ninguém lidera de verdade.

O custo oculto dessas sinergias internas mal desenhadas é alto: projetos travados, talentos desmotivados, cultura diluída e, principalmente, perda de foco. A empresa começa a parecer eficiente por fora, mas ineficaz por dentro. Executa muito, mas entrega pouco. Aparenta velocidade, mas corre em círculos.

Por isso, o foco não pode ser apenas entre marcas ou canais. O foco tem que acontecer dentro da organização também. E isso exige coragem para não juntar o que funciona melhor separado, para não centralizar o que só gera valor na ponta e para não padronizar o que precisa ser especial.

A provocação final é clara: se você está perseguindo sinergia interna, pergunte-se — está fazendo isso para somar competências ou para apagar diferenças? Está buscando colaboração real ou apenas controle disfarçado de alinhamento?

A resposta pode te dizer se você está construindo uma organização ambidestra e ágil — ou apenas uma burocracia disfarçada de modernidade.


Passos para construir Negócios com Foco Verdadeiro (e não ilusões de sinergia)

1. Mapeie o Foco Real do Cliente, Não da Empresa

Não comece pelo organograma, comece pelo cliente. O foco real não está na lógica interna da companhia, mas na percepção externa de quem compra. O que de fato gera valor naquele ponto de venda? Quais produtos são realmente comprados com recorrência? Qual vendedor tem mais influência naquele canal? O foco precisa nascer da borda, do chão de loja — e não do centro corporativo.

Na prática, isso significa abandonar decisões baseadas apenas em margem ou faturamento global e passar a observar a “velocidade do giro” e a relevância percebida pelo shopper. O cliente não está interessado no portfólio completo, ele quer resolver um problema específico com o mínimo de atrito possível. Por isso, ao tentar empurrar tudo para todos, você perde a chance de ser memorável em algo.

Empresas como a Ambev entenderam isso ao investir em rotas específicas por categoria: há vendedores distintos para cerveja, refrigerante e energético. Essa separação é deliberada e cara — mas altamente eficaz. Ao olhar a rota do ponto de vista do cliente (e não do custo), a companhia aumentou a profundidade e penetração de cada marca, mesmo em canais fragmentados. Foco comercial é foco no comportamento do cliente — e não nas planilhas da controladoria.

Internamente, isso significa resistir à tentação de unificar tudo por conveniência organizacional. Nem todo time deve responder ao mesmo diretor. Nem toda área precisa seguir o mesmo playbook de gestão. Em vez de forçar padrões, grandes empresas constroem zonas de autonomia estratégica, onde o foco pode florescer sem ser sabotado por alinhamentos artificiais.


2. Construa Marcas com Autonomia Estratégica

Não adianta pregar foco e manter as marcas acorrentadas ao mesmo discurso. Cada marca precisa ter liberdade para ser diferente, inclusive da “marca-mãe”. Estratégias centralizadas demais podem gerar consistência, mas raramente geram diferenciação. Autonomia estratégica é o que permite que cada negócio explore sua voz, sua comunidade, sua narrativa.

Isso vale inclusive dentro de grandes grupos. A Arezzo&Co, por exemplo, separa estrategicamente Schutz, Reserva e Anacapri, com lideranças próprias e times de produto exclusivos. Essa “falta de sinergia” no backoffice é justamente o que preserva a autenticidade de cada proposta. Se tudo for gerido da mesma forma, tudo começará a soar igual — e, no fim, parecer genérico.

Ao dar autonomia, você também libera a criatividade. Permite que marcas testem formatos próprios de distribuição, linguagem e precificação. O foco, nesse caso, não é apenas em produto, mas em coerência estratégica. No médio prazo, a autonomia não cria caos — cria identidade. E, num mar de marcas diluídas, ser inconfundível é o maior ativo que se pode ter.

Internamente, proteger a especialização é criar estruturas que premiem profundidade, e não apenas polivalência. Significa manter times dedicados a problemas específicos, mesmo que isso pareça redundante em planilhas. Significa criar papéis que vão a fundo, em vez de cargos que fazem de tudo um pouco. O foco em especialização permite excelência operacional, profundidade no relacionamento com o cliente e diferenciação real frente aos concorrentes.


3. Questione a Matemática da Eficiência

Eficiência é uma métrica perigosa quando isolada. Muitos gestores tomam decisões baseados em KPIs de curto prazo que parecem brilhantes no Excel, mas catastróficos na realidade do cliente. Cortar visitas, fundir equipes, reduzir variações — tudo isso parece inteligente, até que se perca o vínculo emocional com o mercado.

O custo invisível da eficiência excessiva é a perda de conexão. O cliente não percebe que você otimizou o estoque, mas percebe quando o sortimento encolheu. Ele não nota que unificou os times de venda, mas nota que ninguém mais entende suas necessidades específicas. A eficiência não pode matar a experiência.

Por isso, é papel do executivo não apenas cortar custos, mas avaliar o que está sendo cortado. Está se eliminando gordura… ou músculo? Está se reduzindo desperdício… ou presença de marca? A matemática da eficiência precisa incorporar a variável da diferenciação. Porque no fim, é ela — e não o Excel — que move o desejo de compra.


4. Crie Métricas de Foco, Não Só de Eficiência

O que você mede é o que você prioriza. Se sua empresa só mede retorno sobre capital, custo médio por cliente e margem líquida consolidada, vai inevitavelmente priorizar volume e sinergia. E vai, aos poucos, perder o que fazia cada marca especial. É necessário criar métricas que premiem foco, profundidade e presença qualificada.

Métricas como “share of wallet por categoria”, “recall espontâneo da marca por canal”, “percentual de sortimento ativo vendido” e “taxa de recompra por SKU estratégico” são indicadores muito mais alinhados com a lógica do foco. Eles mostram não só se a marca está presente, mas se está sendo escolhida com consistência.

Além disso, medir foco também ajuda a identificar desperdício estratégico. Muitas empresas mantêm linhas de produto inteiras apenas por tradição ou vaidade de portfólio. Ao medir o real impacto de cada item, fica mais fácil tomar decisões duras, porém necessárias: parar de tentar ser tudo para todos e começar a ser insubstituível para alguém.


5. Recompense a Especialização, Não a Agregação

Promover quem faz tudo é um erro comum. As empresas premiam o profissional multitarefa, mas esquecem de reconhecer o especialista que domina profundamente uma categoria, um canal ou um cliente. Foco só vira cultura quando ele passa a ser recompensado no sistema de incentivos e reconhecimento da empresa.

Isso significa redesenhar bônus, KPIs e carreiras. Em vez de esperar que um gerente “dê conta de tudo”, permita que ele se torne referência em algo. Em vez de valorizar quem lida com múltiplos clientes de forma superficial, valorize quem constrói profundidade de relacionamento com um segmento ou território específico.

Empresas como a Apple são obcecadas por especialização. Não há um “chefe de produto geral” — há times inteiros dedicados a cada linha, com autonomia e obsessão por detalhes. Essa escolha tem custo. Mas é esse custo que constrói excelência. E excelência, no fim, é o maior foco que se pode ter.


Crie governança que permita a coexistência de múltiplos focos

Empresas ambidestras não escolhem entre foco ou escala — elas constroem governança para sustentar múltiplos focos simultaneamente. Isso significa abandonar a ideia de que tudo precisa passar pelo mesmo centro de comando. Significa aceitar que marcas, unidades ou regiões diferentes podem operar com autonomia, desde que conectadas por princípios, não por controle.

Na prática, isso implica em ter modelos de gestão assimétricos, onde o grau de liberdade varia conforme o estágio da unidade. Marcas em expansão podem ter times dedicados, regras próprias e budget separado. Produtos maduros podem seguir estruturas mais otimizadas. O importante é evitar o erro de aplicar a mesma lógica operacional para tudo — o que é ótimo para eficiência pode ser desastroso para diferenciação.


Conclusão

O jogo da eficiência e da sinergia já deu o que tinha que dar. O novo jogo se chama FOCO. É ele que constrói relevância, diferenciação e, no fim do dia, crescimento sustentável.

Se sua empresa ainda está tentando ser tudo para todos, talvez esteja na hora de escolher o que realmente vale a pena proteger — e aprofundar. Porque no mundo da hipercompetição, não vence quem oferece tudo... vence quem entrega algo com maestria.

Entre sinergia e foco, sempre foco.

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Sócio da StartSe com negócios no Vale do Silício e China, 20 anos Executivo de Grandes Cias, nas áreas estratégica, inovação, transformações digital e cultural nos negócios em que atuou. Investidor e Conselheiro de empresas.

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